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Entrevistas

Treinador de ‘Do Bronx’ detalha ‘drible’ na distância e admite esperar por ‘title shot’

No último sábado (12), pelo co-main event do UFC 256, Charles ‘Do Bronx’ conquistou o resultado mais importante de sua carreira até o momento, ao dominar Tony Ferguson por três rounds e levar a vitória na decisão unânime dos juízes. O triunfo, que posicionou o brasileiro no top 3 da divisão dos leves (70 kg) e o colocou de vez na corrida por um ‘title shot’, no entanto, precisou ser alcançado sem o auxílio presencial de Diego Lima, líder da equipe ‘Chute Boxe São Paulo’ e principal treinador do faixa-preta.

A poucos dias do embarque para Las Vegas (EUA), onde o evento seria realizado, Lima testou positivo para a COVID-19, ficando impossibilitado de acompanhar seu pupilo na viagem. Em entrevista exclusiva à reportagem da Ag Fight, o treinador contou como driblou a distância física para auxiliar seu lutador mesmo de longe, detalhou os momentos de angústia ao acompanhar a luta pela televisão e destacou a alegria após a consagração, mais uma vez, de um trabalho que levou o peso-leve à atual maior sequência de vitórias da divisão no Ultimate, considerando a aposentadoria de Khabib Nurmagomedov.

Ciente da importância do desafio para a consolidação de ‘Do Bronx’ entre os principais atletas da categoria, o líder da ‘Chute Boxe SP’ ainda se submeteu a novos testes, na esperança de um resultado ‘falso positivo’ para COVID-19, mas todos sinalizaram contaminação pelo vírus. Restou, então, para Lima abusar das ligações telefônicas e chamadas por vídeo, a fim de se fazer presente ao lado do pupilo, ainda que virtualmente, nos dias que antecederam sua grande oportunidade. Vale lembrar que, há meses, Charles e sua equipe buscavam um rival ranqueado no top 5 da categoria, sem sucesso. Até que o confronto contra Ferguson foi oferecido pelo UFC a pouco menos de um mês para sua realização.

“No dia seguinte que nós fizemos o exame, o telefone tocou e era lá do laboratório, e na hora eu já dei uma gelada. Porque eu já fiz outros exames (para viajar) com outros atletas e eles nunca ligam. Então, quando tocou o telefone eu já desconfiei que algo não estava certo. Assim que eu testei positivo, eu vou ser muito sincero, na hora abalou. Na hora foi uma frustração muito grande saber que eu não estaria junto com ele em uma luta tão importante, mas eu tenho tanta fé em Deus, que eu só agradeci. Eu falei: ‘Deus, não sei por que eu estou aqui no Brasil e o Charles nos Estados Unidos. Mas se for da sua vontade e se for para ser assim, assim será e a vitória vai vir’. A felicidade pela luta era tão grande, que nada nem ninguém ia nos abalar. Desliguei e imediatamente chamei o Charles, conversei com ele: ‘Charles, eu testei positivo, estou assintomático, vou fazer um novo exame. Não sei se dá tempo de viajar, mas vou fazer de novo para ver se é falso positivo. Mas fica tranquilo, esquece. Independente do que aconteça vamos partir para o nosso foco e vamos atrás do que é nosso’. Deu aquela abalada ali, mas a gente sabia que a felicidade e a vontade de lutar era tão grande que nada ia nos abalar”, recordou Diego Lima, antes de continuar.

“Eles viajaram no domingo. O Charles até passou de carro na minha casa e, pela janela, a gente conversou, se despediu de longe. Eu fiz um novo exame, deu positivo de novo, e eu fiz mais um e deu positivo de novo. Fiz três exames de PCR, os três deram positivo. Minha esperança era chegar nem que fosse no dia da pesagem. Acabou que eu não consegui viajar. Mas eu conversei com o Charles todos os dias. Todo dia, sem exceção, a gente se manteve em contato. Todos os treinos que eles faziam, eu participava por chamada de vídeo. As orações a gente fez todas juntos também. Toda a perda de peso, quando o Charles estava na sauna, eles colocavam o telefone e ficávamos nós quatro conversando. Inclusive no dia da luta, eu fiquei com eles (por telefone) no vestiário, fiz oração, fomos para a luta juntos. Conversei com o Gia durante a luta. A gente tinha um delay de dez segundos da transmissão, mas conversei com o Gia também. Acabou a luta, o Charles entrou no vestiário e já me ligou. Até a foto que a gente sempre faz com o rapaz, fotógrafo do UFC, com toda a equipe abraçada, o Charles me ligou por vídeo chamada, segurou o telefone e tiramos a foto. A gente ficou longe fisicamente, mas ficamos perto a todo segundo, na verdade”, revelou.

Do Brasil, Lima teve que assistir à performance de seu pupilo pela televisão. E, por mais que o faixa-preta tenha dominado a esmagadora maioria do confronto e não tenha corrido nenhum risco aparente diante do americano, o treinador – ciente do aspecto de imprevisibilidade que caracteriza o esporte – não conseguiu relaxar até o soar final do gongo após os 15 minutos regulamentares.

“Nervoso demais (assistir pela televisão). Porque às vezes você quer falar alguma coisa, mas você sabe que ele não vai te ouvir (risos). Fiquei muito nervoso. Acabou aquele primeiro round, o Charles quase quebrou o braço do Ferguson e eu fiquei: ‘Por que não quebrou? Por que mais um (round)?’. Aí eu pensei: ‘Ganhamos o primeiro e o segundo, no terceiro o Ferguson vai vir para o tudo ou nada. Por que essa luta não acabou ainda?’. E no último round, eu orei praticamente os cinco minutos”, contou o treinador, antes de completar.

“Mesmo o Charles no chão ali por cima, a gente sabe que, enquanto não soa o gongo, dentro do MMA tudo pode acontecer. Foi muito angustiante, acho que angustiante é a palavra. Eu fiquei com o coração na mão e no último round, eu só orei, os cinco minutos seguidos. Acabava a oração e começava de novo, acabava a oração e começava de novo, parecia uma vitrola”, relembrou.

Com o triunfo sobre Ferguson, ‘Do Bronx’ chegou à sua oitava vitória consecutiva e subiu para a terceira posição no ranking peso-leve do Ultimate. Em outra categoria, o histórico do brasileiro seria o suficiente para garantir uma disputa de cinturão em sua próxima luta. Porém, a divisão até 70 kg do UFC, considerada por muitos como a mais repleta de talentos, conta com algumas peculiaridades. A principal delas, a indefinição sobre o título.

Atual campeão da categoria, Khabib Nurmagomedov anunciou sua aposentadoria após sua última defesa de cinturão, em outubro deste ano, alegando não poder continuar lutando depois da morte de seu pai, Abdulmanap, que também era seu técnico e principal incentivador no esporte. No entanto, Dana White – presidente do UFC – ainda tenta convencer a estrela da companhia a abandonar a ideia e mantém o título sob sua posse. Para Diego Lima, o dirigente não terá sucesso em sua empreitada e, por isso, o justo seria conceder a Charles a oportunidade de disputar o título diante do vencedor do confronto entre Conor McGregor e Dustin Poirier, marcado para o dia 23 de janeiro.

“Eu sinceramente acho que o Khabib não volta, pelo menos agora. Eu acho que ainda está tudo muito recente. Ele era muito próximo ao pai. Ele não perdeu só o pai, mas ele perdeu aquele que o incentivava, aquele que é o responsável por ele chegar aonde ele chegou na luta. Eu acredito que o Khabib não volta agora, ele não tem que provar mais nada para ninguém. É um cara que já está milionário, ele é o cara na Rússia. Acredito que futuramente ele possa até voltar, bater uma vontade de fazer uma trigésima luta, mas acredito que se acontecer será daqui a uns dois ou três anos”, analisou o líder da ‘Chute Boxe São Paulo’, antes de comentar sobre o futuro do seu pupilo.

“Se eu fosse olhar o certo, eu acho que Charles e Ferguson foi uma semifinal, e o vencedor tem que enfrentar o vencedor de Poirier e Conor. Eu acho que isso é o justo, mas a gente sabe que o UFC é uma caixinha de surpresas. Todo mundo está falando do Chandler, mas o cara acabou de chegar, nunca lutou no UFC. Eu acharia até uma falta de respeito cogitarem ele para um possível cinturão. Acho que o Gaethje é um cara duro, perdeu na disputa de título para o Khabib. Então, é um cara que mereceria fazer uma luta para lutar pelo cinturão (novamente) depois, mas não direto. O mais justo seria essas semifinais. Charles e Ferguson, o Charles passou. Agora Poirier e McGregor, o vencedor luta pelo cinturão com o Charles. E depois o Gaethje e o Chandler lutam, e o vencedor dessa luta se credencia para uma disputa de título. Isso seria o correto, o honesto, o certo a se fazer”, sentenciou.

Entretanto, Lima compreende que, mais do que uma liga esportiva, o UFC é gerido como uma empresa e, portanto, nem sempre a justiça vem antes do lucro. Ciente de que existem outros lutadores renomados atrás de uma oportunidade de lutar pelo cinturão do peso-leve e que ‘Do Bronx’ pode, em um primeiro momento, acabar preterido pela entidade, o treinador admitiu que o faixa-preta pode esperar pela sua chance, por mais que isso signifique alguns meses de inatividade.

“Cabe a nós escolher o melhor caminho para o Charles, mas cabe a empresa marcar as lutas. A gente é só funcionário. O Charles é um atleta que precisa estar lutando, precisa estar ativo. A gente aceitou essa luta porque o Charles tinha feito a última luta em março. Então, a gente sabia que ele precisava lutar, ele não podia ficar tanto tempo parado. Mas, ao mesmo tempo, ele ficou nove meses parado. Então, para mim, mesmo que tenha que esperar um pouco, eu prefiro esperar para lutar pelo cinturão”, ponderou Diego, antes de continuar.

“A gente trabalhou muito para chegar até aqui, tivemos oito vitórias contundentes em cima de grandes nomes, principalmente as duas últimas. Então, eu acho que o Charles já se credenciou para o cinturão e nada mais justo que a próxima luta dele ser uma disputa de título. E se tiver que esperar um pouco, nós vamos esperar. Mas a gente também sabe que se o UFC bater o pé e quiser o x, y ou z, a gente vai ser obrigado a lutar com x, y ou z. Porque, querendo ou não, a gente é funcionário. Mas, com certeza, a gente vai fazer o máximo que estiver ao nosso alcance para que a próxima luta seja pelo cinturão”, prometeu.

No MMA profissional desde 2008, Charles ‘Do Bronx’ acumula 30 triunfos, oito derrotas e um ‘no contest’ (luta sem resultado) em seu cartel. O faixa-preta, que estreou no UFC em 2010, aos 20 anos, é o recordista de vitórias por finalização na história da entidade, com 14. Atualmente, com oito resultados positivos na sequência, o paulista ocupa a terceira posição no ranking peso-leve do Ultimate.

Nascido em Niterói (RJ), Neri Fung é jornalista e apaixonado por esportes desde a infância. Começou a acompanhar o MMA e o mundo das lutas no final dos anos 90 e começo dos anos 2000, especialmente com a ascensão do evento japonês PRIDE.

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