Jiu-jitsu
André Galvão se pronuncia após agressão sofrida, admite excesso e perdoa Gordon Ryan
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por
Neri Fung
Passada uma semana da confusão envolvendo André Galvão e Gordon Ryan, na qual o lutador americano agrediu o brasileiro com um tapa depois de uma acalorada discussão, repleta de xingamentos, o paulista decidiu quebrar o silêncio. Em um longo vídeo publicado em sua conta oficial no Instagram (veja abaixo ou clique aqui), o faixa-preta demonstrou arrependimento pelo incidente, admitiu que se equivocou nos ataques verbais direcionados ao desafeto e pediu desculpas aos fãs. Galvão ainda fez questão de deixar claro que não pensa em vingança e que já perdoou o rival pela agressão sofrida.
Especulados como protagonistas de uma possível superluta de grappling, que colocaria frente a frente dois dos principais nomes do jiu-jitsu nos últimos anos, Galvão e Ryan vinham trocando provocações pelas redes sociais há meses. No comunicado, o brasileiro admite que o ‘trash talk’ que inflamou a rivalidade fazia parte da estratégia para promover o provável duelo, mas que a situação saiu do controle na última sexta-feira (26), chegando ao extremo da agressão física.
Radicado nos Estados Unidos, onde comanda a academia da Atos Jiu-Jitsu em San Diego, na Califórnia, Galvão também alegou que o motivo por não ter revidado o ataque do desafeto foi a sua preocupação com as possíveis consequências que uma ‘briga de rua’ trariam para sua vida pessoal e profissional. O faixa-preta também ressaltou que não pretende apelar para a troca de insultos com Gordon e, baseado na sua religiosidade, optou por perdoá-lo.
Na última sexta-feira, André Galvão e Gordon Ryan se encontraram nos bastidores do WNO: Craig Jones vs Ronaldo Junior, evento de jiu-jitsu realizado no Texas (EUA). Após uma troca de provocações e xingamentos, o brasileiro teria empurrado o americano, que revidou com um tapa no rosto do líder da Atos Jiu-Jitsu. Os ânimos exaltados só foram contidos após a chegada da ‘turma do deixa disso’, que conseguiu separar os desafeto.
A rivalidade entre os astros do jiu-jitsu ganhou destaque no ADCC de 2019. Como André foi campeão da última superluta, precisa defender seu posto justamente contra Ryan, que venceu o torneio no peso até 99 kg e absoluto. No entanto, para medir forças com o desafeto, o atleta, multicampeão mundial da modalidade, exigiu um preço alto. A partir daí, os ataques entre a dupla se tornaram frequentes.
Confira abaixo os principais trechos da declaração feita por André Galvão:
“Primeiramente, eu gostaria de pedir desculpa a todos vocês. Queria pedir desculpa à minha família, aos meus amigos, aos meus alunos e à toda comunidade do jiu-jitsu. Eu sempre tive um apoio muito bom de vocês. Eu me coloquei nessa situação, uma situação chata, que eu não tenho orgulho nenhum de fazer parte dela. Confesso que eu errei, errei na situação.
Primeiramente, eu fui e mostrei o dedo do meio para o Gordon, depois eu o xinguei naquela hora que a gente se encontrou no corredor. Eu xinguei, falei um monte de palavrão. Aí a situação foi escalando. Ele chegou perto, foi onde eu empurrei ele, e ele me agrediu. Escalou para a violência. Eu só me mantive calmo na hora. Mas eu fui surpreendido na hora.
E eu reconheci: ‘Po, estou errado’. Mas as pessoas me perguntam: ‘Por que o Galvão não revidou na hora? Por que ele não devolveu na mesma moeda?’. Na verdade, eu não revidei porque eu estudo sobre defesa, sobre agressão. Tenho vários alunos que falam sobre isso comigo, que são policiais, e eu decidi não partir para a ignorância.
Na verdade, se vocês olharem, eu fui mesmo para conversar. Na hora que aconteceu, em que a situação escalou, eu pensei na minha família, pensei no meu futuro. Comecei a pensar nas consequências que poderiam vir, porque eu sei que há consequências. A partir do momento em que você não está no tatame, que você está na rua – ali era rua, não ia ter regra.
Eu pensei no meu trabalho, no meu legado e falei: ‘Cara, não vai valer a pena’. Tanto que na hora eu falei: ‘A polícia vai vir’. Ele: ‘Ah, que polícia’. Eu estava consciente o tempo todo. Fiquei frio. Eu sei que se eu tivesse tomado uma atitude na hora, eu ia pagar pelas consequências.
Então, eu mantive o autocontrole e fui falando o que eu queria falar, o que estava dentro de mim. Claro que no início, quando eu cheguei perto dele, eu falei de uma forma agressiva, xinguei ele. Eu até peço desculpas a todos os meus irmãos em fé, porque eu fui um péssimo exemplo naquele momento, de mostrar o dedo, de falar um monte de palavrão.
Felizmente eu não reagi, fiquei em plena paz quanto a isso, porque eu pratico arte marcial. Quando eu ensino a luta, o jiu-jitsu, eu não ensino para brigar na rua. Eu só mantive a calma, eu falei: ‘Está virando briga de rua, agora o negócio vai ficar sem regra, então não vai dar certo’. Então, eu tive a consciência de tudo, eu não quis levar nada para um nível maior.
O trash talk, o que eu acho de tudo isso: eu acho que o trash talk é bom para caramba para promover uma luta. Tanto que eu estava achando que esse era o lado de promover a luta, que essa era a forma para eu promover a luta. Começamos a nos ofender, claro que tentando ser um pouco mais divertido, mas começaram umas ofensas muito pesadas. E o negócio começou a ficar mais pessoal, a criar uma tensão.
Eu acho que o trash talk é bom para promover a luta, mas não é bom para a vida. Foi uma experiência negativa que eu tive. É ‘trash’, é lixo. Eu fiquei envolvido nisso tudo, para tentar promover, e querer elevar o esporte para um outro nível. Só que foi de uma forma totalmente tola. Eu achei completamente errado. Claro, depois de tudo que aconteceu. Eu não curti ficar nessa negatividade. Porque no final de tudo, o trash talk pode trazer consequências (legais) para o mundo real.
Eu sempre respeitei os meus adversários, sempre procurei ser bem leal nas regras. Claro que já teve vezes em que eu tive alguma desavença, mas eu sempre procurei me comunicar. Eu nunca levei para o lado pessoal, para a rua. Eu mantive a minha integridade, mantive a minha calma, reconheço que eu errei, reconheço o meu erro. Acredito que a comunicação é importante. A forma como eu me comuniquei foi errada, desde antes, meses atrás, eu já estava nisso. Desviei um pouco o meu foco de vida e acabei entrando nessa. Eu reconheço tudo isso.
As pessoas falam: ‘Agora tem que arrancar o braço desse cara! Tem que fazer isso e aquilo’. Eu já vou falar o que eu vou fazer com o Gordon Ryan, mas eu não quero carregar esse espírito de vingança dentro de mim. Eu quero exercer a minha fé nesse momento, diante desse clima negativo. Isso nunca resolveu nada. Responder violência com mais violência não resolve nada. Pelo contrário, só traz coisa ruim. Independentemente de ser dentro ou fora do tatame. Se você se desequilibra, já era, você vai pagar pelas consequências.
Então, o que eu vou fazer com o Gordon Ryan? Eu vou perdoá-lo. Eu vou perdoá-lo porque eu sei que eu errei, fui ignorante, estava agindo cheio de ego. O que eu acredito fala isso: que os exaltados serão humilhados e os humilhados serão exaltados. E foi isso que aconteceu. Comecei a me exaltar muito. Antes mesmo, me achando. E tive que aprender. Eu o perdoo. Quero liberar perdão, não quero carregar isso em mim. E agora já é passado, já passou. Eu não posso mudar o passado, mas o que eu posso mudar são as minhas atitudes daqui para frente”.
Nascido em Niterói (RJ), Neri Fung é jornalista e apaixonado por esportes desde a infância. Começou a acompanhar o MMA e o mundo das lutas no final dos anos 90 e começo dos anos 2000, especialmente com a ascensão do evento japonês PRIDE.