Entrevistas
Revolução no esporte? Treinadores analisam novo ‘golpe sensação’ do MMA
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por
Carlos Antunes e Rodrigo Tannuri
Em um esporte ainda relativamente ‘jovem’, como o MMA, é comum que, de tempos em tempos, uma grande revolução aconteça, especialmente em detalhes técnicos motivados pelo constante desenvolvimento dos treinadores e atletas. A própria história da modalidade confirma a teoria, tendo em vista que no início de sua popularização também ocorreu uma ‘quebra de paradigmas’, com lutadores mais frágeis fisicamente levando vantagem sobre atletas bem maiores, utilizando os conhecimentos de uma arte marcial até então ainda pouco difundida ao redor do mundo, o jiu-jitsu.
E, ao que tudo indica, a mais nova aposta de mudança significativa no jogo é a utilização de uma arma que não chega a ser novidade no mundo das lutas, mas que se tornou mais recorrente nos últimos tempos: o chute na panturrilha. Assim como outros golpes traumáticos aplicados nos membros inferiores, o chute na panturrilha é especialmente eficaz ao debilitar a movimentação natural dos atletas atingidos por ele em uma luta, o que pode definir o resultado de um combate.
O golpe, por exemplo, foi o responsável pelo início da queda de Conor McGregor – maior estrela do UFC – em sua mais recente peleja, diante de Dustin Poirier, assim como teve fundamental importância na vitória do brasileiro Pedro Munhoz, no confronto contra Jimmie Rivera, há menos de um mês. Para entender melhor as nuances, benefícios e peculiaridades da ‘nova sensação’ entre as armas da trocação no MMA, a Ag Fight recorreu aos especialistas: três treinadores de enorme prestígio dentro da modalidade, cada um com sua característica.
Treinador de muay thai da renomada equipe ‘American Top Team’, baseada na Flórida (EUA), Katel Kubis ensina o chute na panturrilha- técnica passada para ele pelo seu mestre, Fábio Noguchi – para os atletas desde sua entrada no time, em 2009. De acordo com o treinador, que iniciou essa atividade ao lado de Luciano ‘Macarrão’, companheiro e também técnico do time, apesar do golpe ter ganhado as manchetes recentemente, especialmente através de seus pupilos, o primeiro lutador treinado por ele a utilizá-lo em combate foi Wilson Gouveia, em 2010.
“Eu comecei a trabalhar na ATT em 2009 e de lá pra cá a gente vem treinando os atletas a acreditar e aplicar essa técnica nas lutas. Ainda hoje tem alguns atletas que não se sentem confiantes o suficiente para aplicar nas lutas. Nosso primeiro atleta na ATT a aplicar essa técnica numa luta foi o Wilson Gouveia, em 2010. Essa técnica é muito praticada em várias artes marciais. Eu aprendi com meu treinador Fábio Noguchi na década de 90 e ele já usava antes e colhia os frutos naquela época em suas lutas. Uma das explicações para ser tão efetiva, é o fato da gente lutar muitas vezes contra atletas muito bons de boxe e essa técnica é muito eficiente quando usada como anti-jogo contra o Boxe, pelo fato de minar ou até acabar com o ponto apoio do boxeador, que é a perna da frente”, analisou Katel, antes de destacar a importância do golpe no MMA atual.
“Já é uma realidade e com certeza é um divisor de água entre duas épocas. Primeiro quando as pessoas não conheciam essa técnica, então não acreditavam e a próxima época onde todos vão precisar entender que essa técnica faz parte da realidade no MMA e como tal precisa ser aprendida e praticada tanto no ataque quanto na defesa”, afirmou.
Líder da ‘Chute Boxe São Paulo’, Diego Lima compartilha da mesma opinião do colega. De acordo com o treinador – responsável por afiar o jogo de lutadores como Charles ‘Do Bronx’, Mayra ‘Sheetara’, Glória de Paula e Thomas Almeida – o chute na panturrilha chegou para ficar e tende a, cada vez mais, fazer parte do arsenal de golpes dos atletas que quiserem se manter no topo do MMA mundial.
“É um golpe que está sendo cada vez mais explorado. Muitos usavam uma vez ou outra e não tinham noção da efetividade que teria. Agora, como todos têm a noção da efetividade, vai passar a ser cada vez mais explorado. Acredito que será cada vez mais usado. O impacto é muito grande e forte. Até nos treinos, mesmo com a devida proteção, é difícil de fazer, porque machuca e pode prejudicar o companheiro. Até nos treinamentos, você tem que controlar a força, realmente, para não machucar”, destacou Diego Lima, antes de analisar a eficácia do ataque.
“A região da panturrilha está sendo muita atacada ultimamente. O chute é efetivo, porque tira a locomoção do oponente, machuca muito. Após a luta, é uma das regiões que mais demora para cicatrizar. O lutador fica um bom tempo sem treinar. Está se fazendo muito estrago e é uma arma que acaba mudando a luta. São golpes que não precisam de muito para lesionar. Três, quatro chutes bem dados nessa região acabam prejudicando a luta inteira”, declarou.
Apesar da eficácia e do poder de dano causado ao rival, nem tudo são flores com relação à aplicação do chute na panturrilha durante os combates. Como na física, toda ação gera uma reação. E no caso do MMA, a reação nada mais é do que a defesa. Por ser um golpe aplicado e defendido com a canela, as chances de uma lesão óssea aumentam exponencialmente.
Por isso, Alex Prates, head coach do ex-campeão peso-médio (84 kg) Robert Whittaker, alerta para a dualidade do golpe. Ainda que reconheça sua eficácia, o treinador reconhece que tem restrições quanto ao seu uso indiscriminado e recordou de uma recente apresentação de seu pupilo contra Darren Till, pelo UFC, para ilustrar sua preocupação.
“É uma arma nova que muita gente está usando, mas pode ser perigoso quando o cara faz o check do chute, porque machuca muito porque o pé está firme no chão, Não é que nem um low kick. É uma moeda de dois lados. É um chute que pode ser bem efetivo, mas se o cara checar também pode ser um problema para quem chutou. Aconteceu isso na luta do Robert com o Till, que ele checou um desses chutes, o cara não chuta mais, porque pode machucar muito a canela”, explicou Alex Prates.
Assim como Prates, Diego Lima também aponta para a possibilidade de uma lesão grave acontecer proveniente do chute na panturrilha. Para o líder da ‘Chute Boxe SP’, não só o atleta que ataca, como também o que defende corre perigo ao bloquear o golpe. Por isso, o treinador indica que a melhor defesa seria evitar ser atingido, através da movimentação dentro do cage.
“Para defender esse golpe, não tem muito o que fazer. Algumas pessoas jogam a canela para fora, mas o tempo do chute é muito rápido. A melhor maneira seria evitar, não deixar as pernas tão plantadas, a base tão aberta para que você se movimente e possa tirar a perna na hora do golpe. A melhor maneira é se movimentar bastante no octógono, ficar sempre arisco para tirar a perna e o chute passar no ar”, analisou Diego Lima, antes de completar.
“Quem aplica o chute pode se lesionar. Não a mesma lesão, porque quem aplica faz com a canela, só que já vimos aquela fratura nos lutadores que levantam o bloqueio e acaba pegando canela com canela. No caso de um adversário fixar o pé no chão, com força, e abrir a canela para fora, para poder defender o chute, aí pode pegar canela com canela e pode ter uma lesão. É um pouco mais difícil, não é muito comum, mas pode sim ter uma lesão séria”, afirmou.
Por sua vez, Katel Kubis parece mais tranquilo em relação a uma possível lesão sofrida por seus atletas. Com a ‘ATT’ aparentemente na vanguarda em relação ao treinamento e à utilização do golpe em competição, o treinador mostrou confiança nas técnicas ensinadas por ele a seus pupilos, tanto para atacar como para defender de forma segura e com menor risco de se machucar.
“Tudo isso é questão de tempo. Esse é um dos motivos porque estamos na frente de outras equipes, pelo fato de começarmos a treinar o ataque antes. Então, isso mostra que já sabemos defender antes também. As equipes vão começar a trabalhar isso, que é a lógica, porém quando forem nos atacar nossa defesa já vai estar lá, como aconteceu na luta do Pedro (Munhoz). O fato de machucar ou não depende muito do estilo de cada lutar, o Pedro é muito guerreiro e as defesas q ele usou ainda tem um risco de se machucar, mas, com certeza, machuca ainda mais seu adversário. Temos outras defesas dependendo do estilo de cada lutador”, afirmou Katel Kubis.
Nascido em Niterói (RJ), Neri Fung é jornalista e apaixonado por esportes desde a infância. Começou a acompanhar o MMA e o mundo das lutas no final dos anos 90 e começo dos anos 2000, especialmente com a ascensão do evento japonês PRIDE.