Entrevistas

Minotauro destaca importância de Glória Maria para o MMA: “Humanizou nosso esporte”

Se o MMA é hoje um dos esportes mais populares do Brasil, grande parte disso se deve ao trabalho feito por Glória Maria no início dos anos 2000. A jornalista, que faleceu nesta quinta-feira (2), aos 73 anos de idade, foi responsável direta por dissociar a modalidade da imagem extremamente negativa com a qual era retratada até então na grande mídia e humanizar os atletas e praticantes de artes marciais. Sua importância é reconhecida até mesmo pelos principais ídolos do esporte.

Em 2003, Glória Maria decidiu aceitar o convite feito por Zé Mário Sperry, um dos líderes da Brazilian Top Team (BTT), para acompanhar a delegação da academia até o Japão, onde alguns lutadores brasileiros, até então desconhecidos do grande público no seu próprio país, competiriam no extinto evento japonês Pride. Entre esses atletas estavam Rodrigo ‘Minotauro’ Nogueira (BTT) e Wanderlei Silva (Chute Boxe), que viriam a ser coroados como campeões – do peso-pesado e do peso-médio, respectivamente – no evento realizado no dia 9 de novembro daquele ano, no ‘Tokio Dome’.

Além de acompanhar de perto as conquistas dos brasileiros e a idolatria dos fãs asiáticos com os mesmos, a jornalista pôde conviver durante alguns dias com os atletas e, com a sua incomparável sensibilidade para contar histórias, conseguiu retratá-los de uma forma mais humana, completamente diferente do que a grande mídia estava acostumada a fazer. A matéria reproduzida no ‘Fantástico’, um dos programas de maior audiência da história da televisão brasileira, no horário nobre da TV Globo e em pleno domingo, teve um efeito arrebatador para o MMA, que até aquele momento ficava à margem das grandes publicações e emissores nacionais, sendo restrita aos poucos veículos especializados a sua cobertura.

“A gente conheceu ela pessoalmente, tivemos diversos jantares, almoços, fizemos algumas reuniões com ela para falar sobre o esporte. E a Glória não conhecia muito. Mas ela, como uma mulher negra que quebrou barreiras, quebrou preconceitos, entendeu que o nosso esporte também tinha um preconceito na época. A TV aberta não passava, os jornais não passavam. E ela passou a conhecer pessoalmente, a entender o esporte. Foi (para o Japão) a nosso convite e a gente fez tudo para a ida dela. Ela foi naquela de conhecer o que era. Eu lembro que, antes de fazer a matéria, a gente foi em um templo budista porque ela gostava, e um monge budista falou para ela o que era a arte marcial. Teve esse ‘approach’ muito legal. Então, ela pôde ver o lado humano. E ela passou esse lado humano (na matéria). O jeito dela de contar história era incrível. Mais do que fazer uma matéria, ela humanizou o nosso esporte”, recordou Minotauro, em entrevista exclusiva à reportagem da Ag Fight.

Acervo Pessoal

Mais do que passar a compreender melhor o esporte e humanizar os atletas, que antes eram vistos ‘bárbaros’ por boa parte da população brasileira, Glória Maria quis mostrar para o Brasil o quanto estes esportistas eram respeitados e venerados do outro lado do mundo. Rodrigo Minotauro recorda como a jornalista se surpreendeu com a fama e adoração com a qual eles eram tratados pelos fãs japoneses, e a sua preocupação em querer difundir isso no país natal desses ‘rockstars’.

“Eu lembro da gente indo para a rua (no Japão) – eu, ela e o Wanderlei Silva – para jogar fliperama. Esse foi o primeiro contato que ela teve com a nossa popularidade no Japão. A gente estava andando em uma rua bem central, super movimentada, e ela falou: ‘Caramba, vocês são rockstars aqui. Como o brasileiro não sabe disso? Eu vou mostrar isso’. Ela teve essa preocupação, da gente ser muito conhecido lá no Japão e o brasileiro não conhecia na época, o povo mesmo. Ela teve o cuidado de falar: ‘Como isso não acontece no Brasil? Eu vou mostrar isso’. E ela realmente foi a primeira a mostrar isso na TV aberta brasileira”, reconheceu o ex-campeão do Pride e do UFC.

O grande sucesso da primeira reportagem para o ‘Fantástico’ fez com que Glória Maria fosse responsável por uma segunda matéria na edição da semana seguinte do mesmo programa, desta vez apenas com Rodrigo, em sua luxuosa casa no Rio de Janeiro. A segunda aparição consecutiva do lutador em um dos principais programas da TV Globo ajudou ainda mais na quebra de preconceitos com os quais os praticantes de lutas sofriam no Brasil e na diminuição do tom pejorativo com o qual os adeptos da modalidade eram tratados anteriormente.

O próprio Minotauro considera as duas matérias feitas por Glória Maria no Fantástico como um dos quatro divisores de águas para a popularização do MMA no território brasileiro, ao lado de sua conquista no UFC em 2008, da vitória de Anderson Silva sobre Vitor Belfort em 2011 e do retorno do UFC ao Brasil após um longo hiato sem eventos no país, no mesmo ano em que o duelo entre o Spider e o Fenômeno foi realizado. E na visão do baiano, o trabalho da jornalista foi o precursor de tudo que veio a seguir.

“Eu considero quatro momentos de virada do nosso esporte na grande mídia. A ida dela (para o Japão cobrir o Pride) foi a primeira e a que puxou todas as outras. Depois a gente foi em todos os programas de auditório, como o Faustão. Foi na sequência. Para mim, o meu título em 2008, deu um ‘boom’ para mim. Em 2011, a vitória do Anderson Silva  contra o Vitor Belfort. E a chegada do UFC no Brasil. Acho que foram os quatro grandes momentos para a imprensa brasileira conhecer o esporte. Mas ela foi a precursora. Com certeza, a grande mídia foi ela quem puxou”, cravou.

Acervo Pessoal

O reconhecimento pelo papel exercido por Glória Maria na mudança de tratamento da grande mídia com o MMA foi feito ainda em vida por Minotauro. Na academia ‘Team Nogueira’, de propriedade sua e de seu irmão Rogério ‘Minotouro’, no Rio de Janeiro (RJ), o veterano fez questão de homenagear a jornalista de uma forma bem especial.

“A gente fez uma sala de imprensa na Team Nogueira com o nome dela, sala Glória Maria. Ela foi visitar a sala, conversava comigo com frequência até, trocávamos ideia, e eu sempre ratificando a importância que ela tinha para o esporte. Ela realmente foi muito importante e era uma pessoa incrível. Teve a sensibilidade de ver que eram humanos, não é só a luta em si. Ela quis mostrar que não era violência. Ela quebrou aquele preconceito. Na nossa área (lutas), isso foi um grande legado”, finalizou Rodrigo Minotauro.

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