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Entrevistas

Lutadoras aderem à febre de venda de conteúdos exclusivos durante pandemia

Assim como a maioria esmagadora das atividades profissionais, as competições de esportes de combate sofreram um baque com o anúncio da pandemia de COVID-19 pela OMS (Organização Mundial de Saúde) em março do ano passado. Com eventos cancelados, temporadas interrompidas ou adiadas indefinidamente, demissões em massa, e todas as incertezas provocadas pela crise mundial de saúde, inúmeros atletas foram atrás de novas formas de ganhar dinheiro, seja por necessidade ou pelo chamado empreendedorismo de oportunidade.

Se por um lado a pandemia trouxe incertezas e dificuldades, por outro, o isolamento forçado das pessoas em suas casas e o fechamento de serviços não essenciais mostrou definitivamente que o futuro, ou melhor o presente, se encontra na internet, mais especificamente na produção de conteúdo para a ‘world wide web’. À medida que as opções de lazer e os encontros presenciais de tornaram cada vez mais raros, a busca por entretenimento através das telas dos computadores, tablets e smartphones multiplicou.

Um dos mercados que melhor soube aproveitar esse crescimento na demanda por entretenimento na internet foi o de vendas de conteúdos exclusivos, especialmente o de fotos e vídeos sensuais ou eróticos. Desde o início da pandemia, um incontável número de pessoas entrou para este ramo e passou a colher os frutos da empreitada – entre elas algumas atletas de alto rendimento do mundo das lutas.

Para entender melhor sobre a nova febre, a Ag Fight conversou com três atletas de alto nível ouviu diretamente delas o que as motivaram a entrar neste mercado, como tem sido essa experiência até aqui e como lidar com os pré-julgamentos de terceiros no dia a dia. Uma das lutadoras entrevistadas pela reportagem foi a mineira Amanda Ribas, 11ª colocada no ranking peso-palha (52 kg) do UFC.

Apontada como aposta do MMA nacional, a carismática atleta é também uma das que melhor tem conseguido explorar a sua imagem fora dos octógonos, especialmente com as campanhas publicitárias. Agora, Amanda se aventura também na venda de conteúdos exclusivos para a sua crescente base de fãs. Recentemente, a ex-judoca – aconselhada por seu empresário a aproveitar a oportunidade de mercado – lançou seu próprio site.

Apesar de seguir a mesma linha de outras plataformas, como o ‘OnlyFans’ e o ‘Closed Friends’ (do Instagram), a página da mineira não conta com conteúdos sensuais ou, até mesmo, explícitos de sua intimidade, como no caso dos sites de outras atletas. Para compensar, Amanda promete uma maior interação com seus fãs, chegando a responder suas perguntas por áudio ou, até mesmo, com vídeos personalizados.

“Então, lá no meu Instagram agora eu estou com dois sites. Um que é de treinamento online, que eu fiz com meu irmão, aproveitando essa época de pandemia, para quem quer treinar em casa. E o outro é um site de fotos. A oportunidade surgiu com o meu empresário, que falou: ‘Amanda, tem várias atletas que estão fazendo. Eu acho legal você fazer'”, contou Amanda, antes de continuar.

Divulgação

“Em um primeiro momento, eu falei: ‘Credo, sensei. Ficar postando foto sensual minha’. Porque eu acho que não combina tanto com o meu estilo, foto aparecendo muito o corpo. Só que a gente achou um jeito diferente de fazer umas fotos que o público queira ver, mas que não seja vulgar. Tem fotos diferentes minhas, mas não tão sensuais. E eu achei muito legal a ideia do site porque posso ficar mais próxima dos fãs, consigo responder em áudio”, ponderou a lutadora, que garantiu que o novo trabalho não atrapalha sua preparação para a próxima luta no UFC, contra Angela Hill, no dia 8 de maio. “Penso em trabalhar mais no site quando não estiver em camp”.

Se Amanda ainda é uma novata no mundo da produção de conteúdo exclusivo para assinantes, o mesmo não se pode dizer da faixa-preta de jiu-jitsu Patrícia ‘Pati’ Fontes – tricampeã mundial ‘No Gi’ (sem quimono) – e da americana Kyra Batara, lutadora de MMA com passagem marcante pelo ‘Combate Americas’. Ambas criaram suas páginas na plataforma ‘OnlyFans’ nos primeiros meses da pandemia de COVID-19, por razões diferentes. A brasileira viu no período de reclusão social, causado pela crise mundial de saúde, e na impossibilidade de competir ou dar aulas, a chance de aprender sobre o novo mercado e empreender.

“A ideia surgiu no início da pandemia, em maio do ano passado, quando tudo estava fechado e tive tempo livre, e quis usar de outras habilidades pra fazer um dinheiro extra. Não foi  (uma decisão) difícil, porém consultei pessoas que eu julgo importantes na minha vida, como meu irmão, meu namorado, meu patrocinador e amigos. Eu queria saber como impactaria diferentes pessoas”, explicou ‘Pati’, antes de completar.

“O ‘OnlyFans’ veio na hora certa pra mim, pois quando tinha que estar em casa por causa do covid, eu consegui mesmo assim me ocupar, eu estudei sobre o mercado, conversei e conheci pessoas de um outro universo diferente do meu mundo da luta, mesmo que virtualmente, e aprendi coisas novas. A questão de ângulos e ser modelo. Eu sou jornalista, então foi legal toda a parte de fotografia e edição, até mesmo o marketing, tudo isso me deixou ocupada e quase que numa brincadeira, comecei um business que passou de 100 mil dólares no primeiro ano”, contou a faixa-preta.

Já a lutadora americana admite que, apesar de sua aversão inicial à possibilidade de ser rotulada como ‘trabalhadora sexual’, adentrar no mundo da produção de conteúdo sensual exclusivo para assinantes foi fruto da necessidade de se manter financeiramente em meio à pandemia. Dispensada do ‘Combate Americas’, mesmo com seis vitórias consecutivas pela organização, Batara viu as contas se acumularem e engoliu o orgulho para deixar de lado a imagem de atleta e passar a ser vista como uma mulher símbolo de sensualidade.

“Eu não sabia muito sobre OnlyFans além de que isso era uma plataforma paga conhecida por trabalho sexual. Durante todo o ano anterior à covid, eu estava com dificuldades financeiras e trabalhando em três empregos, além de treinar e praticamente não ter nenhum tempo para minha família ou para o relacionamento que eu tinha na época. Eu estava ganhando dinheiro o suficiente apenas para sobreviver. Então, quando nós fomos jogados em quarentena, com 70 dólares na minha conta de banco, eu disse: ‘F***-se. O que eu tenho a perder?’. E decidi abrir uma conta sem ter ideia do que eu iria postar ou, até mesmo, como o site funcionava”, recordou Kyra Batara, antes de revelar o principal desafio que teve de superar ao migrar de profissão.

Brian Friedman

“O maior desafio que eu tive foi encarar o estigma de agora ser rotulada como uma trabalhadora sexual. Eu sempre fui a ‘garota doce da porta ao lado’. Todo mundo me via como essa lutadora fofa, já que eu comecei nas artes marciais tão jovem e sempre estive cercada pela minha família. Então, agora que as pessoas estavam me vendo com uma página no OnlyFans, eu sinto que, automaticamente, muitas pessoas pensaram o pior e fizeram algumas suposições de que eu deveria estar filmando pornô o tempo todo com qualquer um”, desabafou.

O receio de Kyra Batara não é propriamente injustificável. O preconceito com produtoras de conteúdo sensual, gerado muitas vezes pelo machismo ainda bastante presente na sociedade, especialmente no ambiente dos esportes de combate, parece muitas vezes fazer parte da profissão. Pati Fontes também sentiu na pele tamanha cobrança.

“Sofri e sofro preconceito por conta de pessoas que na verdade não entendem a proposta da minha página no Onlyfans e algumas pessoas na internet onde é fácil querer ter reconhecimento usando de mensagens negativas. Eu tive pessoas questionando. Alguns amigos, meu pai, e alguns pais de alunos, mas quando conversamos tudo ficou bem, mais uma vez fica claro que muitas pessoas não entendem o propósito da página. Também existe o preconceito em geral com a exposição do corpo, e o machismo quando apenas uma mulher parece confortável com seu corpo fazendo arte como quiser com o próprio corpo. É normal que isso cause um impacto. No meu caso fui idealizada de quimono e quase como se eu não tivesse uma vida. Como se eu tivesse que ser aquele figura de samurai na academia, não ligando muito para a estética (risos)”, analisou Pati.

Mas, como tudo na vida, existe sempre o contraponto positivo para cada aspecto negativo. E no caso da venda de conteúdo exclusivo em plataformas da internet, os benefícios podem ser quantificados. Se Amanda Ribas, pelo pouco tempo de mercado, ainda não traça planos e metas para o novo empreendimento, para ‘Pati’ Fontes, o lucro com a sua nova ocupação, em menos de um ano de trabalho, foi o suficiente para que ela pudesse abrir um novo negócio: uma academia de jiu-jitsu na Califórnia (EUA).

“Eu sabia que ia ser um ano difícil. Então eu tentei salvar ao máximo as minhas economias. Eu não sabia se o mês seguinte ia ser como o anterior, mas eu sabia que tinha que trabalhar muito, é um esforço diário. No meio de tudo isso, tive a oportunidade de abrir minha própria academia de jiu-jitsu, junto com meu preparador físico. Mais uma vez eu sabia que seria desafiador, por conta da situação mundial e o fato de ser um esporte de contato, enquanto temos que manter distanciamento. Mas eu também sabia que não ia competir, então decidi embarcar e foi quando minhas economias me ajudaram a comprar meus tatames, enfim, pude tranquilamente montar minha escola em OC (Orange County) na Califórnia, e focar nesses dois novos business que apareceram na minha vida em 2020”, celebrou a lutadora de jiu-jitsu.

Acervo Pessoal

Quem também viu sua vida financeira mudar com a entrada no ‘OnlyFans’ foi Kyra Batara. Se antes da pandemia e do trabalho na internet o dinheiro ganho pela lutadora servia apenas para pagar suas despesas mensais, depois de passar por cima de seu orgulho e entrar de cabeça na nova profissão, a americana viu sua vida prosperar como nunca.

“Estou extremamente feliz com tudo que conquistei com o site até o momento. Eu consegui ganhar seis dígitos em menos de um ano, paguei todas as minhas dívidas, quitei meu carro, e até comprei minha primeira casa. Eu recentemente comecei a administrar outras páginas, já que mais pessoas viram quão bem-sucedida eu sou com o negócio por trás do site. Então, acho que esse vai ser o meu foco principal no futuro. Mas eu também estou criando o primeiro ‘game show’ para o OnlyFans. Eu chamo de ‘Boss Bitch Championship’, que é um projeto de paixão que eu mal posso esperar para lançar completamente nesse ano. Se isso decolar como eu planejo, eu vou ter muitos anos maravilhosos para frente conectada ao site”, revelou Batara.

Com os prós e os contras de criar e vender conteúdo exclusivo para os fãs, seja de cunho sensual ou mais sóbrio, sobre a mesa, as três entrevistadas parecem coincidir na opinião de que a entrada de atletas do mundo das lutas neste mercado não deveria ser um tabu e, muito menos, ser motivo de preconceito, dentro e fora do esporte.

Mais inexperiente do grupo neste mercado, Amanda Ribas defendeu a oportunidade de mostrar o outro lado do atleta, e, desde que não atrapalhe a profissão principal, ponderou que a visibilidade pode auxiliar também na carreira de lutadora.

“Acho legal porque não pode ser só lutadora, eu não posso ser só uma coisa. Tenho que tentar aproveitar o momento. Se não está atrapalhando os meus treinos, não está atrapalhando a minha dieta, por que não? É um jeito até de ajudar na minha carreira de atleta, conquistar mais público. Então, eu não julgo quem faz, ou quem deixa de fazer também. Para mim, eu estou vendo que me ajuda”, decretou a mineira.

Por sua vez, Pati Fontes fez questão de deixar um recado de emponderamento. Com a experiência de ter sofrido com preconceito por ser mulher desde o início no jiu-jitsu, a faixa-preta relembrou os comentários negativos que ouviu durante toda sua carreira para corroborar a necessidade de encontrar e apostar na sua força interior para atingir seus objetivos.

“Se você está chateado porque eu tenho uma conta no OnlyFans, você tem que lembrar que estamos no século 21. Vale lembrar que quando eu comecei lá no jiu-jitsu, mais de 15 anos atrás, eu sofri preconceito também, diziam que não era coisa de menina, que não dava dinheiro pra mulher, ficar se agarrando com homem, e suada, fedida, para ganhar uma medalha. E hoje ainda: ‘não tem nem tanta menina na sua categoria’, ‘é mais fácil pra mulher’… Nós sempre seremos cercadas de negatividade. Traça um caminho e vai! Não faço, por exemplo, fotos nudes, mas mesmo se eu fizesse, é para isso que a plataforma serve, ela é segura, não dá pra acessar sem sua identidade. Apenas não acesse se te incomoda”, recordou Pati em tom de desabafo.

“Na verdade quando você não passa por cima de ninguém pelo seu dinheiro, seu trabalho não deve julgar sua moral. Existem pessoas de cargos muito importantes que são pessoas ruins, então o que vale mesmo é sua essência e como você toca as pessoas, como você é capaz de levar um sorriso, de trazer uma emoção, mesmo que isso o torne vulnerável. Quem te ama de verdade não julga teu caráter por besteira, como seu trabalho”, afirmou.

Na mesma linha, Kyra Batara destacou a necessidade da autoconfiança para conseguir ter sucesso na carreira. A americana ainda alertou para a necessidade da pessoa interessada em ingressar neste mercado ter a ciência de que, uma vez compartilhado na internet, um conteúdo nunca mais será completamente apagado, sendo assim, portanto, imprescindível que o indivíduo esteja convicto de sua decisão.

“Uma coisa que eu sempre prego na vida é: assuma quem você é. Confiança realmente é chave e você tem que realmente amar a si mesmo para se colocar em uma plataforma paga. Se pergunte: ‘O que me faz especial? Por que alguém deveria pagar mensalmente para ver o que eu posto?’. É importante saber que tipo de audiência você está atendendo. O que quer que você decida postar no site, saiba que não há limite. Seja criativo, se mantenha consistente, e não leve desaforo de ninguém que te faça sentir desconfortável. Se você realmente está disposta a trabalhar duro e tratar isso como um negócio, você vai ser bem-sucedida. Você tem que aceitar que qualquer coisa que você colocar na internet vai estar lá para sempre”, aconselhou a lutadora americana.

Nascido em Niterói (RJ), Neri Fung é jornalista e apaixonado por esportes desde a infância. Começou a acompanhar o MMA e o mundo das lutas no final dos anos 90 e começo dos anos 2000, especialmente com a ascensão do evento japonês PRIDE.

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