Siga-nos
exclusivo!
Jon Jones se tornou campeão do peso-pesado do UFC em sua estreia na categoria
Jon Jones se lesionou antes de defender o título dos pesados do UFC - Louis Grasse/Ag Fight

Entrevistas

Especialista explica lesão de Jon Jones e detalha processo de recuperação

A notícia da lesão no ombro que tirou Jon Jones do UFC 295 caiu como uma bomba na comunidade do MMA. A rápida solução encontrada pela organização – escalar Sergei Pavlovich e Tom Aspinall para disputarem um cinturão interino – e a previsão de que o campeão dos pesados ficaria de molho por cerca de oito meses, feita por Dana White, comprovou a gravidade da contusão e deixou os fãs do lutador preocupados. Para entender melhor o caso, a Ag Fight conversou o ortopedista Rickson Moraes, que, além de ser especialista no assunto, também possui ampla vivência no mundo das lutas.

Especialista em cirurgia de ombro e cotovelo do INTO (Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia), o Dr Rickson Moraes, em entrevista exclusiva à reportagem da Ag Fight, explicou a contusão sofrida por Jon Jones – conhecida como ‘lesão do peitoral maior’ ou ‘ruptura do peitoral maior’ – e detalhou o processo de recuperação pelo qual o campeão do Ultimate passará após se submeter ao procedimento cirúrgico. Faixa-preta de jiu-jitsu da família Gracie, o ex-médico da Comissão Atlética Brasileira de MMA, que até hoje trabalha com diversos atletas dos esportes de combate, também tranquilizou os fãs do lutador quanto às perspectivas para o futuro do atleta.

“O peitoral maior é um músculo grande que a gente tem na região anterior do tórax – a gente tem um de cada lado. Esse músculo começa perto do centro da região do tórax e vai até a parte lateral do braço, que é no úmero. Ele tem um formato meio de leque – de um lado ele é bem largo e do outro ele é bem fininho. Principalmente em praticantes de esportes que têm o uso de força, você pode ter um rompimento desse tendão e músculo peitoral maior. 75% das pessoas que têm lesão de peitoral, essa lesão está associada à prática desportiva. A maioria das vezes é prática de musculação. Mas tem uma frequência bastante alta principalmente em lutas de grappling – jiu-jitsu, wrestling e o MMA”, explicou o Dr Rickson Moraes, antes de continuar.

“Porque nesses esportes – principalmente quando você vai fazer uma entrada de double leg, como no caso do Jon Jones – você usa o peitoral, contrai esse músculo para puxar o oponente para perto de você e aplicar a queda. A defesa do double leg normalmente é o sprawl – o oponente joga a perna para trás para tentar se livrar e não cair. E aí o músculo peitoral estava contraído, o oponente fez o movimento contrário e isso rasga o tendão e o músculo peitoral. Foi isso que o Dana White falou nas redes sociais dele, que o Jon Jones teve uma lesão no peitoral, que esse músculo e tendão rasgaram do osso, ali junto do braço. E no vídeo do treino, claramente o Jon Jones coloca a mão na frente do ombro, no local onde é a inserção do peitoral”, esclareceu.

Necessidade de cirurgia

Como adiantou o presidente do UFC, Dana White, ao anunciar o afastamento do campeão peso-pesado do card programado para o próximo dia 11 de novembro, em Nova York (EUA), Jon Jones – que defenderia seu título contra Stipe Miocic – deve passar pela mesa de cirurgia para tratar a lesão no ombro. Apesar de não ter tido contato pessoal com o paciente ou acesso aos exames de imagem, o Dr Rickson Moraes entende que, caso confirmada a ruptura do tendão e do músculo, a opção por operar o lutador é a mais indicada em casos como este.

“O diagnóstico pode ser feito examinando o atleta – que eu não tive contato pessoal com ele. Mas esse diagnóstico é confirmado geralmente por exame, que é a ressonância magnética. Provavelmente ele já deve ter feito esse exame. Ou se não fez, a lesão está bem clara com exames físicos, avaliando pessoalmente. E quando isso ocorre em atleta, em alto rendimento, a indicação é de cirurgia. Porque se você opta por não tratar de maneira cirúrgica e deixar esse tendão rasgado, solto, o que pode ocorrer é ele perder força e isso acabar impactando na performance dele no futuro. Então, nesse caso a indicação é cirúrgica. Geralmente você tem que operar, refixar esse tendão e músculo no osso onde rasgou, ficar um tempo imobilizado com tipoia, depois fazer muita fisioterapia”, informou o ortopedista.

Reabilitação

Após a realização da cirurgia, ‘Bones’ deve permanecer com o braço imobilizado por algumas semanas. Neste período, o médico destaca que – apesar de não poder mexer o local operado – o atleta pode exercitar outras partes do corpo e tentar manter o condicionamento físico, até mesmo visando um retorno mais rápido.

O segundo passo no processo de recuperação após a cirurgia, de acordo com o Dr Rickson Moraes, seria o início da fisioterapia, que tem como foco a retomada dos movimentos normais e a diminuição das dores no local. Apenas na sequência, Jones estaria apto a começar a fase de fortalecimento muscular – normalmente prevista para três a quatro meses depois da operação. Caso tudo corra bem, o retorno aos treinos, ainda de forma gradual, deve ocorrer com seis meses de pós-operatório.

“O protocolo que a maioria dos cirurgiões especializados segue é de imobilização com tipoia – de tecido mesmo – por 6 a 8 semanas. Porque o peitoral é um músculo muito forte. Se você começa a tirar e a mexer muito tempo antes o ombro, você pode acabar rompendo de novo esses pontos e aí teria que operá-lo novamente. Qualquer articulação que fique esse período de tempo imobilizada vai ficar um pouco limitada de movimento, um pouco doloroso. Então, a fisioterapia depois desse período inicial de imobilização tem o objetivo de melhorar essa dor e de ganhar esse movimento de forma bem gradual, sem forçar demais. Depois que você ganha todo esse movimento e melhora a dor, você vai para a fase de fortalecimento muscular, que também não pode ser muito precoce”, detalhou Dr Rickson Moraes, antes de completar.

“Se você começa a fortalecer o peitoral muito cedo, antes da cicatriz estar resistente, você pode romper essa cicatriz e rompe de novo o peitoral. Então, a média é começar o fortalecimento depois só de 3 a 4 meses de cirurgia. É uma lesão que cicatriza devagar. Você tem que ter um pouco mais de paciência, não pode querer acelerar demais o retorno, senão você aumenta a chance de insucesso de comprometer o tratamento que foi feito. Então, depois de 3 a 4 meses você começa o fortalecimento e vai até 6 meses. A maioria dos atletas volta com 6 meses aos treinamentos, mas de maneira bem gradual. Vai incrementando devagar na academia o volume, a carga, os treinamentos, para só depois de estar plenamente recuperado voltar ao esporte”, explicou.

Previsão de retorno

No anúncio feito por Dana White, o presidente do UFC indicou que Jones deve voltar ao octógono em oito meses. Para o ortopedista brasileiro, a previsão está dentro do prazo médio de recuperação de um atleta de alto nível. De acordo com o especialista, ‘Bones’ pode levar de seis a nove meses para estar completamente recuperado e apto a competir novamente. Tudo vai depender de diferentes fatores, desde o método escolhido pela equipe médica para a cirurgia até a forma como o corpo do lutador vai reagir ao procedimento.

A média de retorno ao esporte é de 6 meses, mas alguns atletas voltam um pouco mais tarde. O Dana White falou 8 meses porque às vezes o tendão que rasgou tem uma qualidade ruim, que não adianta só a gente dar ponto nele e reinserir esse tendão, porque ele pode rasgar de novo. Aí você tem que reforçar essa área tirando um tendão, um ligamento, de outra área, que pode ser do joelho, pode ser da perna, às vezes você usa até de doador de transplante de tecidos, que é a mesma forma que se doa coração, fígado… Isso vai depender da escolha do cirurgião lá. Mas quando você tem que reforçar essa área com um tendão de outra região, um ligamento de outra região, aí esse retorno é atrasado. Pode demorar até 9 meses“, ponderou.

Boas perspectivas

Apesar da complexidade da cirurgia e do relativamente longo processo de recuperação, de acordo com o Dr Rickson Moraes, a lesão sofrida por Jon Jones não chega a preocupar no que diz respeito ao futuro do lutador. Ainda que tenha indicado que está próximo de pendurar as luvas, o campeão – em teoria – pode voltar a atuar em alto nível, sem limitações após concluir seu tratamento.

“Todo atleta de alto nível, apesar de levar o corpo ao extremo, principalmente no MMA, também tem um nível de dedicação nessa reabilitação bem maior do que a população em geral. Tem uma estrutura disponibilizada de fisioterapia, equipe médica, de alimentação, suplementação, de nutrição que facilitam essa cicatrização e propiciam um retorno no nível mais alto. Então, se ele usar essa estrutura toda e seguir as orientações pós-operatórias, a chance dele de voltar ao esporte em alto rendimento é altíssima. Outros atletas já tiveram essa lesão, operaram, seguiram essas recomendações todas e voltaram em alto nível. A gente tem exemplos de brasileiros, como o (Antônio) Cara de Sapato, o Ronaldo Jacaré, que voltaram muito bem depois dessa lesão”, afirmou o ortopedista, antes de concluir.

“Se esse tendão e músculo cicatrizarem bem, provavelmente não deve ter influência nenhuma (em uma possível aposentadoria). O que vai determinar isso é a cicatrização que a gente não tem como antecipar, a gente pode falar de maneira estatística. A gente tem lesões que em inglês se chamam ‘career ending injuries’, que são as lesões que tem potencial maior de determinar fim de carreira em atleta. Essa não é uma delas. Então, geralmente, se você trata de maneira adequada e ela cicatriza, a carreira atlética pode seguir de forma bastante satisfatória”, finalizou.

UFC 295

Com a saída de Jon Jones, que colocaria o cinturão peso-pesado em jogo contra Stipe Miocic na luta principal do UFC 295, a luta entre Alex Poatan e Jiri Prochazka foi alçada ao ‘main event’ da edição do dia 11 de novembro, em Nova York. Já no co-main event da noite, Sergei Pavlovich e Tom Aspinall, números 2 e 4 no ranking dos pesados, duelam pelo título interino da categoria.

Nascido em Niterói (RJ), Neri Fung é jornalista e apaixonado por esportes desde a infância. Começou a acompanhar o MMA e o mundo das lutas no final dos anos 90 e começo dos anos 2000, especialmente com a ascensão do evento japonês PRIDE.

Mais em Entrevistas