Quem vê a ascensão do Future MMA no cenário nacional não imagina tudo que Jorge Oliveira, presidente da organização, passou até fundá-la. Ex-lutador de artes marciais mistas, o empresário vivenciou a realidade de diversos atletas, como dificuldade de sustento e falta de incentivo. Deste modo, após obter estabilidade financeira, ele teve a ideia de fundar a sua própria companhia — que, em pouco mais de seis meses, já dá projeção internacional a revelações brasileiras.
O Future promoveu o seu primeiro evento em janeiro deste ano, com uma proposta inovadora. Focada na interação com os fãs por meio da tecnologia, a companhia nunca escondeu que o seu objetivo não era concorrer com ligas como o UFC ou o Bellator e, sim, revelar talentos no Brasil. Rumo à sexta edição, o evento tem crescido rápido, preenchendo o espaço deixado pela crise da maioria das organizações brasileiras. E um dos nomes por trás disso é o de Jorge, que, nos tempos em que competia, era conhecido como ‘Van Damme’.
De origem humilde, o empresário foi criado no município de São João de Meriti, localizado na Baixada Fluminense – região do Rio de Janeiro conhecida pelos altos índices de violência e pobreza. Apesar disso, o contato com o esporte começou cedo na vida de Jorge, mais precisamente quando ele tinha quatro anos de idade, por meio do jiu-jitsu. E a prática da ‘arte suave’ o ajudou a conhecer outros países e a alcançar a posição de destaque que ocupa hoje, conforme ele contou em entrevista exclusiva à reportagem da Ag. Fight.
“Fui criado com a madrinha da minha mãe em Agostinho Porto (bairro de São João de Meriti). Como a minha mãe era muito nova e já veio o meu irmão dois anos depois que eu nasci, então ficou meio apertado para a minha família. (…) Fui criado separado da minha família biológica. Quando eu tinha quatro anos, a minha madrinha trabalhava na Zona Sul e me levou para conhecer um pouco do jiu-jitsu. (…) Treinei por pouco tempo. Depois, quando estava mais velho, voltei a treinar jiu-jitsu”, destacou Oliveira, que é faixa-preta formado pela tradicional academia Gracie Barra.
No entanto, antes de competir internacionalmente, Jorge teve de se mudar do Rio de Janeiro para que focasse mais nos treinos e se afastasse das brigas de rua. E, após se destacar em competições da arte suave, o meio-pesado (93 kg) carioca foi convidado para lutar em 2005 no WEC, liga de MMA na qual lutadores como José Aldo e Urijah Faber se destacaram antes de competir pelo UFC — que incorporou os lutadores da organização ao seu quadro de atletas em 2010.
“No Rio de Janeiro, na minha adolescência, eu fui conhecido como brigão de rua. Brigava nos bailes funk da vida e tudo mais. Então, sempre tive uma reputação de brigão, mas nada de mais. Só mesmo brigas que já existiam na época e eu fazia parte. Então, a ida para Curitiba foi para formar um Jorge diferente. (…) Curitiba foi uma cidade muito boa, onde foquei mais no jiu-jitsu. (…) Eu sabia que um dia o MMA seria inevitável, então competi bastante no jiu-jitsu até ser convocado para lutar contra o Shonie Carter no WEC, na Califórnia”, ressaltou, antes de contar um pouco mais sobre a sua experiência nos EUA.
“Antes de chegar na Califórnia, eu dei uma volta no Brasil. (…) Dei aula, formei vários atletas. (…) Foi uma experiência sensacional quando eu me mudei para a Califórnia, comecei a treinar com o Ralph (Gracie), aí do Ralph parti para a Ilha de Maui, no Havaí, onde morei por dois anos, montei uma academia, movimentei bastante esse lado do Havaí e dei um rolé nos EUA até fixar a minha base na Califórnia, em Los Angeles. Daí que comecei a focar, dando aula para as celebridades de Hollywood e veio a oportunidade de lutar contra o Shonie Carter”, completou.
No WEC, Jorge competiu em duas oportunidades: ele venceu Carter por decisão unânime em janeiro de 2005 e sucumbiu diante de Justin Levens em outubro do mesmo ano. Depois disso, teve passagens por shows menores de MMA até entrar pela última vez no cage em 2012, quando foi superado por Ilir Latifi — atual nono colocado no ranking dos meio-pesados do Ultimate — no evento ‘Superior Challenge 8’, na Suécia.
“Comecei a lutar no WEC focando no meu lado pessoal, para trazer mais alunos. Faixa-preta de jiu-jitsu, lutador de MMA… Era sempre mais um respaldo para o currículo. Então, foi nessa parte aí que comecei a lutar, a entender o MMA, a entender os promotores, o business, o negócio inteiro como funcionava. E foi bem legal. (…) Sempre procurando o que eu iria gostar de fazer na vida depois que eu parasse de competir. Eu competindo já pensava nisso. (…) Minha última luta foi em 2012, contra o Ilir Latifi, e daí eu olhei o MMA e a história da luta bem diferente. Os caras demoraram a pagar a minha bolsa, eu fiquei 14 dias lá fora, não recebi, então passei um perrengue forte, passei fome, quase morei na rua”, lamentou.
Após as dificuldades no evento sueco de MMA, Jorge resolveu começar a trabalhar como segurança em uma empresa de tecnologia. Com facilidade para fazer relacionamentos, o ex-lutador cresceu rápido na companhia e começou a ter ideias sobre como poderia alinhar os interesses dos seus patrões com os do universo da luta, já que, ao longo dos anos como atleta, adquiriu experiência sobre o funcionamento do setor.
“Comecei trabalhando em uma companhia de tecnologia chamada ‘London Trust Media’, como segurança. Seis meses depois, eu estava dentro da companhia trabalhando na área de desenvolvimento de negócios. É o cara que paga conta, que se vira para montar o show, para ajudar as pessoas… É o cara que faz tudo, mas com o salário bem legal. Eu vi várias oportunidades dentro da companhia. (…) Eu fiquei prestando atenção em como eu poderia ajudar aquela companhia a entrar no mercado mundial pelos olhos dos lutadores e dos telespectadores de MMA. Foi aí que começou a brincadeira. Trouxe uma empresa para patrocinar o LFA. O Ed Soares (presidente do LFA) foi o meu empresário, então eu tinha uma abertura para chegar com esse produto e ajudar o LFA com alguns patrocínios”, disse, para então explicar como ele se tornou membro do conselho do LFA, uma das maiores ligas de MMA do planeta.
“O Ed Soares, quando nosso pacote de patrocínio tinha acabado, ele tinha acabado de fazer a fusão do Legacy com o RFA. (…) E eu, na área de desenvolvimento da companhia, sempre procuro achar negócios interessantes para a empresa. A companhia estava em uma época de aquisição e, em uma reunião entre o dono da companhia, eu e o Ed, perguntei ao Ed se a LFA estava à venda e ele disse que estava. Daí consegui manter o foco na aquisição, compramos 60% da LFA e mantivemos o Ed e todo o pessoal que tinha um percentual na empresa. Durante seis meses, trabalhei focado no LFA. Hoje, sou membro do conselho e vi que o LFA tinha futuro nos Estados Unidos, mas, ao mesmo tempo, não estava feliz, porque não estava vendo os brasileiros de volta ao pódio”, afirmou, durante a conversa com a Ag. Fight.
Daí, então, surgiu a ideia do Future. Apesar de até o momento a organização só ter promovido eventos em São Paulo, há previsão de expansão da liga a nível nacional e até mesmo internacional. E, para isso, Jorge projeta que os fãs de MMA se interessem cada vez mais pela companhia, que possui como diferencial a interação com o público por meio do aplicativo.
“Como brasileiro, como atleta, me senti sem poder para ajudar a galera do Brasil. Como o LFA é um produto em que o orçamento gira em torno dos atletas que estão nos EUA, não focam muito nos de fora do país. E eu consegui, nesses anos todos trabalhando no desenvolvimento, tirei uma parte do meu tempo e foquei na montagem de uma empresa que teria como foco alimentar todas as outras empresas, como o LFA, o UFC, o ONE… Todas as outras empresas. E fazer um modelo de negócio diferente, que vai se diferenciar bastante do modelo atual, que é o modelo do UFC, que todo mundo segue. E você pode ver que no nosso modelo, nós já tiramos o matchmaker e deixamos o público escolher durante aquela interação toda”, apontou Oliveira, que tem o empresário de lutadores Lucas Lutkus como sócio no Future MMA.
“Depois que passaram os seis meses da parte de avaliação do LFA, eu comecei a focar em abrir um negócio sozinho e no Brasil, para não ter confronto com minha empresa aqui, e comecei a montar esse modelo de negócios. Foquei na parte do aplicativo, na tecnologia, na interação, e deu certo. (…) Estamos no quinto evento, indo para o sexto, então o evento no Brasil correspondeu às nossas expectativas. Que na verdade o foco não é ser o UFC ou o Bellator. (…) Hoje em dia, sabendo trabalhar as ferramentas da internet mesmo, o meu foco foi esse mesmo: partir para um evento em que a tecnologia iria ajudar a acelerar o nosso modelo de trabalho”, detalhou.
Nos tempos como atleta profissional de MMA, Jorge competiu em dez oportunidades, nas quais adquiriu um cartel de cinco vitórias, três derrotas, um empate e uma luta sem resultado. Deste modo, ele tentou alinhar a experiência como lutador às ideias que teve ao começar a trabalhar no ramo da tecnologia. De início, o empresário – que atualmente é casado e possui uma filha de 18 anos – contou que houve contestações em relação ao seu projeto. Mas agora, com o Future a caminho da sexta edição, o antigo sonho já é mais do que realidade.
“Muita gente pensou que fosse uma ideia megalomaníaca. Se as pessoas soubessem como é criado um aplicativo, como é o mundo da tecnologia… (…) E o bom dessa ideia minha foi juntar seres humanos que amam luta e colocar todo mundo em um lugar só. Onde você tem voz ativa, as pessoas amam o lutador, vão querer ver o lutador bem, então vão votar para o lutador continuar ali. (…) Se você manda bem no Future, tem as portas abertas no LFA”, concluiu.
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