Depois de deixar o UFC e encerrar sua história na organização onde reinou durante anos na divisão dos médios (84 kg) e se consagrou como um dos melhores lutadores de MMA de todos os tempos, Anderson Silva decidiu finalmente viver um antigo sonho e se testar nos ringues de boxe internacionalmente. Neste novo desafio, o ‘Spider’ teria que enfrentar o ex-campeão mundial Julio Cesar Chavez Jr e a desconfiança de boa parte do mundo das lutas em relação ao seu desempenho na nobre arte, especialmente pela idade avançada e por ter acumulado resultados negativos em suas últimas apresentações no octógono do Ultimate.
A dúvida, no entanto, não passou pela cabeça do ex-campeão do UFC e de sua equipe. Em seu lugar, o sentimento compartilhado por Anderson com seus treinadores e parceiros de treino era o de felicidade, como pôde ser visto também dentro do ringue no último dia 19 de junho, quando o lutador dominou grande parte das ações durante os oito rounds da peleja contra Chavez Jr para sair com a vitória, por pontos, no confronto contra o mexicano, realizado na casa do rival, na cidade de Guadalajara (MEX).
Em entrevista exclusiva à reportagem da Ag Fight (veja acima ou clique aqui), o treinador Luiz Carlos Dórea – responsável por afiar o boxe do ‘Spider’ há anos – destacou a energia positiva que tomou conta da preparação de Anderson para o combate e rasgou elogios à atuação do pupilo. O consagrado profissional – que treinou grandes nomes do boxe e do MMA nacional, como Acelino ‘Popó’ Freitas, Rodrigo ‘Minotauro’, Rogério ‘Minotouro’, Júnior ‘Cigano’, entre outros – ainda descartou ter se surpreendido com a performance do ex-campeão do UFC, que, dentro do ringue, superou todas as expectativas, principalmente levando-se em conta sua menor experiência na nobre arte em comparação com seu oponente, filho da lenda Julio Cesar Chavez e antigo detentor do cinturão peso-médio do Conselho Mundial de Boxe (WBC).
“Fiquei muito feliz, mas não surpreso. Eu sou especialista em boxe. Vivo disso, fui atleta, fui campeão mundial de boxe, treinei no México muitos anos, com meus atletas também, conheço muito bem o estilo mexicano. O mexicano tem um estilo muito duro, busca a curta distância, mas a nossa metodologia de treino, a nossa movimentação faz a diferença. Dificulta muito para o jogo do mexicano. Então, desde o início, eu acreditei que poderíamos superar. Toda a nossa equipe acreditou nisso. Desde quando o Anderson me ligou e me falou que ia lutar com o Chavez Jr, eu falei: ‘Pega essa luta. É uma luta boa para a gente. Vamos vencê-lo em casa. A festa é deles, mas nós vamos estragar a festa deles'”, contou Dórea, antes de continuar.
“E o Anderson mostrou muito respeito a Chavez Jr, ao boxe e ao povo mexicano. Ele se preparou de uma forma… Estava muito feliz, nós treinamos muito duro por três meses, foram 12 semanas de muito trabalho, muita repetição. Só que antes, no MMA, ele tinha que treinar boxe, jiu-jitsu, wrestling, muay thai e preparação física. Agora não. Agora era só boxe e preparação física. O trabalho foi bem feito. Ele estava muito feliz, sempre repetindo isso, porque eu acho que é uma coisa que influenciou muito, ele estar feliz. E a gente conseguiu fazer um camp perfeito e levá-lo na sua melhor condição. Preparamos ele para dar um grande show e ele se dedicou 100% a isso, pelo respeito que ele tem ao boxe, pelo amor que ele tem ao boxe. Ele queria fazer uma grande apresentação. E fez. Deu um show e chocou o mundo, com certeza”, destacou o treinador.
Além do casamento de estilos, outro fator deixou Luiz Carlos Dórea otimista quanto ao sucesso da nova empreitada do ‘Spider’: a possibilidade de finalmente focar a preparação do pupilo em conceitos e técnicas da nobre arte. Se antes o treinador precisava dividir as atenções do lutador com outras modalidades e adaptar seus ensinamentos de boxe para o MMA, agora pôde ver o ex-campeão do UFC evoluindo dia após dia suas habilidades como pugilista.
E, de acordo com Dórea, tudo que foi treinado foi colocado em prática pelo pupilo, claro que com um toque especial que os fãs do ‘Spider’ já conheciam muito bem desde a época do UFC: a guarda baixa em algum momento da luta, para desestabilizar os rivais mentalmente. O treinador também ressaltou o aspecto físico de Anderson, que, mesmo aos 46 anos de idade, saiu do combate mais inteiro do que seu adversário, 11 anos mais jovem.
“O Anderson cumpriu tecnicamente e taticamente tudo que foi planejado. Claro que, se não me engano, no terceiro round ele abaixou a guarda e fez o que ele sempre fez no MMA. É uma coisa dele, que ele deixa o cara desequilibrado psicologicamente. Pela sua noção de tempo. O cara vê a guarda baixa, mas não consegue atingir. Ele estava muito seguro de si. Mas cumpriu a movimentação, os uppers, os golpes retos, a preparação e repetição da mão, o deslocamento para os dois lados, priorizando andar mais para a direita, a cabeça se movimentando. Então, ele cumpriu tudo e pontuou”, afirmou o treinador do ‘Spider’, antes de completar.
“Esse foi o trabalho feito em 12 semanas, fizemos um camp muito duro. A cada semana que passava ele evoluía e volto a repetir: a felicidade dele. Ele estava muito feliz no treinamento. E no corner a mesma coisa. A luta acontecendo e, quando eu passava orientação para ele, ele abria aquele sorriso espontâneo. A preparação física excelente também. É para poucos. Com 46 anos, lutar em alto nível como o Anderson. Esse cara tem que ser respeitado, esse cara não tem mais nada para provar a ninguém. Esse cara é uma lenda! E chegou no boxe e de cara enfrentando um ex-campeão do mundo. E não foi uma luta de exibição, foi uma luta oficial. É para poucos! É para Anderson Silva”, exaltou.
Passada a brilhante atuação do ex-campeão do UFC em sua reestreia no boxe profissional, agora fica a questão: veremos novamente Anderson Silva nos ringues? A resposta para essa pergunta, segundo Dórea, é simples: “Com certeza”. Ainda sem saber exatamente quando ou qual adversário seu pupilo terá pela frente no futuro, o treinador se disse confiante de que o ‘Spider’ competirá de novo sob as regras do boxe e, ao que parece, propostas não vão faltar.
Logo depois de vencer Chavez Jr, Anderson foi convidado informalmente pelo youtuber Jake Paul para fazer parte do card de sua próxima apresentação, em uma luta que poderia colocar o brasileiro frente a frente com um de seus ídolos: a lenda da nobre arte Roy Jones Jr. Vale lembrar que o ex-campeão do UFC explicitou seu desejo de enfrentar o americano anos atrás, mas o combate nunca saiu do papel, aparentemente, por falta de interesse da organização de MMA em promover o duelo.
“Nesse momento de pandemia, nós estamos passando um momento muito difícil. Existe um novo normal. Então, o povo hoje quer ver esses grandes ídolos de volta. Eu acredito que se o Anderson continuar no boxe, vai nos dar muito mais alegrias. Um dia nós estávamos almoçando e ele me falou assim: ‘Professor, eu estou me sentindo tão bem. A movimentação e tal, eu entendi o boxe. Estou começando a colocar em prática o que o senhor passa para mim. Acredito que eu vou lutar mais uns três anos, até 49’ (risos)”, contou Dórea, antes de continuar.
“Eu disse: ‘Campeão, enquanto você estiver feliz, fazendo o que você pode fazer em alto rendimento…vamos entregar na mão de Deus’. Mas eu acredito que vamos ter muito mais alegrias com o Anderson. (Estão chegando) propostas para lutar com Roy Jones Jr, contra youtubers. Ele está tendo muitas propostas. Não sei qual vai ser o próximo passo, mas uma coisa eu tenho certeza: a gente vai ver o Anderson ainda por algum tempo nos ringues, nos trazendo muito mais alegrias”, cravou o treinador.
No MMA, onde construiu a maior parte de sua carreira esportiva, Anderson Silva acumulou um cartel de 34 vitórias, sendo 23 por nocaute, 11 derrotas e um ‘no contest’ (sem resultado). O brasileiro dominou o peso-médio do UFC entre 2006 e 2013, com grandes atuações que o levaram a ser considerado como um dos maiores lutadores da história da modalidade.
Já no boxe profissional, o ‘Spider’ soma apenas três combates disputados, com dois triunfos e uma derrota. Antes do duelo contra Julio Cesar Chavez Jr, no último dia 19 de junho, Anderson havia competido apenas em território brasileiro, contra atletas tupiniquins, em confrontos realizados em 1998 e 2005.