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Do perrengue ao One Championship! Conheça o brasileiro que também brilha no Youtube

Aos 23 anos, Fabrício Andrade pode se orgulhar de ter vivido, em tão pouco tempo, experiências que muitas pessoas não alcançam em uma vida inteira. Com o sonho de prosperar como lutador, o brasileiro deixou sua terra natal e rumou em direção à Ásia, onde após ultrapassar batalhas profissionais e pessoais conseguiu se estabelecer como atleta e cidadão – e agora já vislumbra voos ainda mais altos.

Vivendo na Tailândia, um país que aprendeu a chamar de casa, com uma vida financeiramente estável, ainda que sem grandes luxos, treinando em uma das principais equipes de artes marciais do mundo e fazendo parte do plantel do ONE Championship, Fabrício dá os primeiros passos em uma nova empreitada, que ele torce para que renda frutos no futuro, concomitantemente com sua carreira nas lutas.

Enquanto algumas celebridades da internet, como os irmãos americanos Jake e Logan Paul, e o fenômeno do humor nacional Whindersson Nunes, se aventuram nos esportes de combate, mais especificamente no boxe, o lutador faz o caminho inverso e se arrisca na produção de conteúdo para o ‘Youtube’. Já com alguns milhares de inscritos no seu canal, em poucos meses, Fabrício enxerga no trabalho como youtuber a possibilidade de conseguir uma renda extra, além de expandir sua ‘marca’ como atleta, algo que poderia render oportunidades e contratos mais vantajosos futuramente.

Mas como Fabrício Andrade passou de um lutador iniciante, com apenas duas lutas profissionais em seu currículo no MMA, para um atleta de alto nível no mercado asiático e aspirante a youtuber de sucesso? Em um longo e divertido bate-papo com a reportagem da Ag Fight, o ‘Wonderboy’, como é conhecido, contou detalhadamente sua trajetória e os perrengues pelos quais passou desde que desembarcou na China, ainda com 18 anos de idade, até se estabelecer finalmente na Tailândia, onde reside e treina atualmente.

Nascido em Fortaleza (CE), Fabrício Andrade deu seus primeiros golpes no muay thai aos 13 anos e com alguns meses de prática já realizou sua primeira luta amadora na modalidade. O MMA, assim como as demais artes marciais, só apareceriam na vida do cearense anos depois, fazendo com que o lutador se dividisse entre os dois esportes, o que se tornaria comum em sua carreira.

“Na época eu não tinha um foco específico. Eu só queria continuar lutando. O que desse para lutar, eu lutava. Mas eu já pensava em seguir no MMA, até por conta do UFC, por ter essa mídia toda em cima dos lutadores de MMA. Eu fiz outra luta de MMA (já no profissional) pouco tempo depois e ganhei por nocaute. E depois dessa luta, eu fui lutar no Cazaquistão”, recordou o lutador.

Levado ao Cazaquistão pelo também lutador cearense Hermes França, ex-desafiante ao título peso-leve do UFC, Fabrício conheceu pela primeira vez os bastidores não tão agradáveis do MMA. Escalado para competir na divisão até 57 kg, o brasileiro viu seu adversário ser trocado de última hora por um atleta muito maior, o russo Zelimkhan Betergaraev, o que fez com que o combate acontecesse duas divisões de peso acima do que estava acostumado a lutar.

“O cara bateu duas categorias acima do que eu lutava, e ele era muito alto. Isso foi o que mais pegou. Porque o cara que eu estava programado para lutar era baixinho, era menor do que eu. E eles trocaram por esse cara que tinha 1.85m, bem mais alto que eu. E no final, o meu adversário original lutou no evento. Eles só mudaram o oponente. Fizeram na maldade”, afirmou.

O recomeço

A derrota no Cazaquistão, a primeira de sua carreira no MMA, fez com que Fabrício se afastasse um pouco do MMA e voltasse a competir apenas no kickboxing por um período, já de volta a Fortaleza. Até que, novamente através de Hermes França, o lutador conheceu um empresário americano que prometia uma luta por mês e boas bolsas caso ele se mudasse para a China. Seduzido pela proposta e com problemas financeiros no Brasil, o cearense não pensou duas vezes.

Vendeu os poucos bens que possuía, com o carro no qual trabalhava como UBER, paralelamente à carreira como lutador, e embarcou para o país asiático. Hospedado em uma academia, sem falar inglês ou a língua local, e com pouco dinheiro no bolso, Fabrício logo viu que a proposta que o havia convencido a atravessar o mundo não seria inteiramente cumprida.

“Depois de um tempo, ele conseguiu minha primeira luta (de kickboxing). Eu lutei e ganhei. E ele me pagou 300 dólares. Eu já fiquei com raiva, porque o combinado eram mil dólares. Umas duas semanas depois, eu lutei de novo e ele me pagou 500 dólares. Ou seja, eu já tinha feito duas lutas e ele não me pagava o combinado. Passou mais um tempo e ele me ofereceu uma luta no Kunlun, que era um evento que estava levando todo mundo para lutar, estava pagando bem. Eles estavam fazendo luta de kickboxing e MMA. Aí ele me perguntou se eu queria fazer uma luta de MMA no Kunlun e falou que se eu não fizesse essa luta, eu não conseguiria lutar kickboxing no evento”, relembrou.

Com visto de turismo na China, Fabrício precisava renovar sua permissão de estadia no país a cada 30 dias e, para isso, tinha que viajar a Hong Kong e pagar pelo novo documento. Por isso, a necessidade de estar ativo e a oportunidade de ingressar em um evento que pagava bolsas maiores foram o suficiente para convencê-lo a aceitar o desafio, mesmo não estando preparado para competir no MMA.

“Eu aceitei, mas não estava treinando chão, porque na academia era só trocação. Mas como eu precisava do dinheiro, eu aceitei. Então, eu fiz essa luta de MMA, acabei perdendo, porque o cara só me colocou para baixo, ele sabia que eu era da trocação e não estava treinando jiu-jitsu. Depois dessa luta, ele me pagou 500 dólares também. Aí na próxima luta, de kickboxing no Kunlun, eu ganhei. Aí ele me pagou 1200 dólares. Foi a primeira vez que ele me pagou o combinado”, contou.

Porém, os problemas do brasileiro com o empresário não se encerrariam neste momento. Após receber o que havia sido previamente combinado com o americano, Fabrício teve o derradeiro desentendimento com o manager e, com o fim da parceria, se viu sozinho na China, sem saber exatamente o que fazer. O impasse sobre seu futuro fez com que o lutador lembrasse do compatriota Rodrigo Caporal, faixa-preta de jiu-jitsu, que possui uma academia em Hong Kong, onde encontrou abrigo.

“Só que umas duas semanas depois dessa luta, ele já me mandou outra e eu perguntei quanto eu iria ganhar. E ele me disse que eu iria ganhar 600 dólares. Aí eu falei que não ia lutar, que o combinado não era esse, que ele não estava pagando o combinado. E ele ficou com raiva, falou um monte de coisa. E nessa luta que eu deveria ganhar 1200 dólares, ele ainda não tinha pagado o valor completo, tinha pagado só a metade, porque eu tinha que sair para fazer o visto. Então, ele me deu 600 dólares e eu receberia o resto quando voltasse. Só que nesse meio tempo a gente começou a ter essa discussão e ele me mandou ir embora, e falou que não me pagaria o resto da bolsa”, recordou o cearense, antes de continuar.

“Na época eu fiquei sem saber o que fazer. Não falava inglês, não sabia nada. Aí fui para um hostel, paguei duas diárias e fiquei essas duas diárias deitado na cama pensando. Eu tinha conhecido o (Rodrigo) Caporal, que tem uma academia em Hong Kong, e eu mandei mensagem para ele. Ele conhecia o Silas, então ele já sabia que o Silas era um cara meio esquisito. Eu contei o que tinha acontecido e ele falou: ‘Mano, eu não tenho uma casa aqui para te receber, mas eu tenho a academia. Se você quiser vir ficar na academia, eu consigo umas aulas particulares para você dar e conseguir pelo menos uma grana para comprar comida’. Fui para a academia do Caporal e fiquei pelo menos uns três meses dormindo lá no tatame”, relatou.

Com dificuldade de encontrar uma luta nos eventos chineses, por conta de sua briga com o empresário norte-americano, Fabrício conseguia se manter através das aulas na academia de Rodrigo Caporal. A convivência com o faixa-preta elevou o nível de jiu-jitsu do cearense, que venceu sua luta seguinte no MMA. Mas, sem a prática diária na trocação, o lutador viu a necessidade de viajar para a Tailândia assim que recebeu uma nova proposta para competir no kickboxing.

Com o aval de Caporal e a promessa que voltaria para Hong Kong após o combate, o cearense foi para o país vizinho e teve seu primeiro contato com a ‘Tiger Muay Thai’, responsável por treinar atletas de renome. Na academia tailandesa, Fabrício se destacou nos treinos e logo recebeu uma oferta de bolsa para fazer parte da equipe, a qual aceitou, mas não sem antes conversar com quem lhe havia estendido a mão anteriormente.

“Eu cheguei na Tiger e um dos managers perguntou se eu queria ficar aqui. Ele falou que se eu ficasse poderia ter treino, comida e acomadação de graça. Só que eu tinha falado para o Caporal que eu voltaria para Hong Kong, então eu tinha que fazer isso. Voltei para lá e conversei com o Caporal, expliquei a situação. Porque a minha intenção não era dar aula, minha intenção era realmente lutar, e a Tailândia era um lugar melhor para mim. Expliquei tudo para ele e depois eu voltei para a Tailândia”, contou o atleta, antes de explicar as diferenças que vivenciou em sua jornada na Ásia.

“Quando eu cheguei na Tailândia foi tipo sair do inferno e chegar no paraíso. A China é muito ruim. O lugar que eu estava era afastado de tudo, então ninguém falava inglês. Eu não conhecia ninguém, não tinha amigo, não tinham brasileiros por perto, não falava inglês, não falava chinês. A comida dos caras é muito ruim. Lembro que eu perdi muito peso quando cheguei na China por conta disso. Em Hong Kong as coisas melhoraram, porque já tem mais turistas, a comida é melhor, falam inglês. Mas Hong Kong é muito caro, um dos lugares mais caros do mundo. Então, eu trabalhava para sobreviver. Dava aula só para comprar comida. E quando eu vim para a Tailândia já ficou muito mais tranquilo. Tem muito turista, todo mundo fala inglês, o clima é bom, a galera é de boa também, a comida é barata, aluguel é barato. Então, tudo se encaixou”, esclareceu.

Acervo Pessoal

One Championship

E foi justamente na Tailândia onde Fabrício encontrou a estabilidade que procurava quando deixou o Brasil rumo à sua aventura na Ásia. Além de evoluir física e tecnicamente através dos treinamentos na ‘Tiger Muay Thai’, o lutador, que até então se dividia entre o MMA e o kickboxing, parece ter finalmente a possibiliadade de se dedicar apenas à modalidade que mistura todas as artes marciais, em decorrência do contrato de múltiplas lutas assinado por ele com o ONE Championship no ano passado.

No último mês de julho, o brasileiro, que atualmente compete na divisão até 61 kg, estreou com o pé direito na organização asiática, ao vencer o experiente neozelandês, Mark Abelardo, por finalização. O resultado positivo se repetiu em sua segunda apresentação pelo ONE, diante do japonês Shoko Sato, em fevereiro deste ano.

“Na China eu tinha dificuldade porque os caras não pagavam tão bem. Eu tinha que lutar pelo menos uma vez por mês para conseguir me manter. Você vive para comer. Essa é a vida de muitos lutadores de muay thai aqui. Os caras lutam para conseguir pagar o aluguel. Mas quando eu assinei com o ONE (Championship), isso mudou. O ONE já paga melhor. Eu consigo lutar e ficar de boa. Não é uma vida luxuosa que você saia, vá para festas esbanjar dinheiro, mas é um dinheiro que me deixa tranquilo até a próxima luta”, destacou Fabrício.

Agora com o foco totalmente direcionado para o MMA, Fabrício não esconde o sonho de chegar um dia ao maior evento de Artes Marciais Mistas do mundo, o UFC. E, se possível, com o seu nome já reconhecido pelo grande público, seja pelas conquistas na Ásia ou pelo trabalho recém-iniciado por ele no ‘Youtube’.

Antenado com o mundo moderno e de olho em repetir o sucesso de outros atletas que já expandiram suas ‘marcas’ através da plataforma, como Sean O’Malley e Paulo ‘Borrachinha’, Fabrício decidiu apostar no compartilhamento de vídeos, inicialmente sobre sua rotina pessoal e de treinos, e posteriormente em uma nova modalidade que se tornou febre, especialmente entre os usuários brasileiros: os reacts, ou reações, em português.

Com a participação de seus companheiros de equipe, que possuem suas origens nas mais diversas partes do mundo, o cearense apresenta elementos da cultura brasileira e, como o próprio nome indica, compartilha as reações dos colegas estrangeiros às músicas e costumes tupiniquins. A resposta do público à mudança foi imediata e o canal de Fabrício no Youtube ganhou alguns milhares de inscritos em poucos meses, fazendo com que o lutador tivesse a certeza de que estava no caminho certo.

A prática de reunir os amigos em casa e mostrar um pouco da cultura brasileira, de acordo com ele, já era antiga, e parece ter agradado ao público em cheio. Ainda que boa parte dos vídeos de reação não rendam retorno financeiro ao lutador, por conta da política de direitos autorais, Fabrício não se abate e já pensa no que a construção de uma base de espectadores fiel pode fazer pelo seu canal daqui para frente.

“Essa é uma parada que eu sempre faço. Na minha rotina aqui, eu vou treinar de manhã, volto, como, vou treinar à tarde e depois volto para casa e fico assistindo vídeo no Youtube. Sento no sofá, fico descansando e assistindo vídeos no Youtube. Fico horas assistindo. Eu sempre tive essa vontade de fazer um canal no Youtube, desde quando eu comecei a treinar. E eu vi que muita gente fazia esses vídeos de reação. Já tinha esse costume. Sempre que a galera da academia vinha aqui na minha casa, eu botava para eles as músicas. Eu já sabia que ia dar certo.E é uma parada que dá certo. Postei um vídeo de reação e ele teve muita visualização. Então, eu vi que era o caminho mesmo”, contou Fabrício, antes de continuar.

“É uma coisa que eu gosto, sempre tive vontade de trabalhar com o Youtube, e pensando também em uma renda extra. A gente tem uma segurança aqui, porque a Tailândia não é tão cara, mas grana é sempre bem-vinda. Eu acho que esse é o futuro. Se você parar para ver, muitos lutadores do UFC já tem o canal próprio no Youtube. Uma das pessoas que me fez ter essa vontade de começar o canal foi o Sean O’Malley. Ele chegou no UFC e ainda não era tão conhecido, mas por ele ter muitos inscritos no canal do Youtube, ele conseguiu muitos seguidores no Instagram, e isso pesou muito, levou muita mídia para ele. O cara não era nem ranqueado, mas já estava sendo cantado como futuro campeão. Isso é uma coisa que pesa muito. Se tem muita gente que gosta de ti, que te segue e quer te ver lutar, isso vende muito. É muito importante hoje em dia no MMA”, sentenciou.

É difícil prever se Fabrício Andrade alcançará seus objetivos, chegando ao UFC como um lutador de destaque e youtuber de sucesso, mas não parece ser recomendável duvidar de alguém que com tão pouca idade já enfrentou, e venceu, tantas batalhas, dentro e fora dos ringues. Portanto, vale a pena ficar de olho no jovem atleta brasileiro, ainda mais considerando que, com as oportunidades e pessoas certas ao seu lado, o ‘Wonderboy’ do Ceará engatou uma sequência positiva de quatro vitórias em sua ainda curta carreira no MMA.

Editor da Ag Fight e colunista do UOL, Diego Ribas cobre MMA desde 2010 e atualmente mora em Las Vegas

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